domingo, 24 de fevereiro de 2013

O PAPA E A PROSTITUIÇÃO DA BONDADE

Papa Bento XVI renunciará, oficialmente, no dia 28 de fevereiro de 2013. Além de prováveis problemas de ordem física, há muitas questões a serem reveladas ou desvendadas que justifiquem a repentina atitude de renúncia de Bento XVI.

07:47, 23/02/2013 
GMFIUZA
 GERAL - (ÉPOCA – edição 769)

A desistência do Papa é um gesto didático. Líderes de todas as partes do mundo – especialmente do Brasil – deveriam analisar cuidadosamente a decisão inesperada de Bento XVI. Além dos alegados motivos de saúde, que parecem reais, é importante observar os motivos inconfessáveis da renúncia. Depois de acusado de acobertar casos de pedofilia dentro da Igreja Católica, o Papa não parou mais de sangrar. É o tipo do escândalo que mata lentamente, por dentro, quem ainda carrega algum compromisso com a dignidade.

Os que não estão nem aí para a dignidade, porém, carregam a perversão de princípios numa boa – e até se vitaminam com ela. Os líderes populistas da América do Sul deveriam prestar atenção à renúncia do Papa e fazer uma reflexão profunda sobre a mentira. Nos governos de países como Argentina, Venezuela e Brasil, o tráfico de bondade tem forte parentesco com o que se viu na Igreja. Todos são casos de prostituição da boa-fé.

A pedofilia é abjeta. Mas a pedofilia praticada por padres é uma monstruosidade. É a covardia levada ao extremo, já que o padre é o pai espiritual, portanto aquele que traz a proteção da virtude, da confiança nos valores supremos. É pior do que a mãe gerar um filho para matá-lo. É oferecer salvaguarda moral a uma criança para, conscientemente, desmoralizá-la. Não há brutalidade comparável – nem nas guerras, nem no nazismo.
O bem travestido é a pior encarnação do mal. E esse mal hediondo disfarçado sob a batina não foi ocasional, no período em que o cardeal Joseph Ratzinger dirigiu a Congregação do Vaticano para a Doutrina da Fé – antes de se tornar Papa –, posto no qual teria sido no mínimo tolerante com os padres pedófilos. Foram diversos casos em meia-dúzia de países, ou seja, não foi um desatino de um ou outro indivíduo. Foi uma prática.

A renúncia de Bento XVI faz pensar na tragédia da impostura, na armadilha da bondade como fachada – cada vez mais eficiente nesses tempos repletos de mal-entendidos ideológicos. O paradoxo é triste, mas inevitável: diante dos defensores dos fracos e oprimidos, todo cuidado é pouco. A exploração da fé e da pobreza se sofisticou. E na sua vertente política, transformou os regimes de esquerda na grande fraude do século 21.
Como terá sido possível à Argentina, um país esclarecido e em plena vigência da democracia, virar refém de um governo embusteiro? Não há dúvida: lá está, cristalina, a prostituição da boa-fé. A força de Cristina Kirchner brotou da sua condição de viúva sofrida – devidamente industrializada por seus marqueteiros –, aquela que simbolizaria a luta contra as agruras da vida. Essa semente de solidariedade cristã é traficada em várias formas de autoritarismo – chegando agora ao ponto de proibir anúncios de preços para proteger a maquiagem contra a inflação. É o manto da bondade usado para estuprar os fiéis.

O Brasil segue a mesma receita. Na sequência das estripulias administrativas blindadas pela santificação de Lula, a mulher-presidente – que simboliza a ascensão das minorias, o poder do fraco e outras miragens – faz o que bem entende com a boa-fé do eleitorado. Depois dos truques contábeis para disfarçar a gastança política do dinheiro público, surge a contabilidade criativa para o milagre social. O marketing da bondade do governo Dilma conseguiu anunciar um índice de erradicação da miséria superior ao número de miseráveis existentes no país. Os dados do IBGE atestam a fraude, mas os números nada podem diante da fé.

Ao contrário de Dilma, Lula, Cristina, Chávez e companhia, o Papa não conviveu tranquilamente com o flagrante da corrupção ideológica em seu reino. Segurou as pontas, mas foi murchando. Sua saída de cena é melancólica, mas também é inspiradora. Enfim um líder que não se aferra ao poder a todo custo. Seu antecessor, sem ter que lidar com um prontuário desses, fez o mundo assistir ao vivo à sua morte lenta. João Paulo II dizia que o sofrimento era parte da sua missão. Acabou impondo a todos um espetáculo de agonia física na fronteira da dignidade, recusando-se a ver grandeza na renúncia.

Ao jogar a toalha, Bento XVI foi no mínimo original. E do jeito que o golpe da bondade se espalha por aí, talvez tenha sido o último líder a se envergonhar da mentira.

Fonte: Guilherme Fiuza - Política e Tudo Mais ( http://colunas.revistaepoca.globo.com/guilhermefiuza/2013/02/23/o-papa-e-a-prostituicao-da-bondade/ )

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