sábado, 24 de fevereiro de 2007

O terno de corte italiano a "dernier cri"

Qual o jovem que não tem lá seus sonhos? Sonhos de adolescente. Sonhos de realizar ou conseguir alguma coisa em determinado momento da vida? Nos anos diamantinos os jovens também sonhavam em ter ou conquistar alguma coisa especial ou de gosto pessoal.

Pois, também tive meus sonhos na minha infância-adolescência. E um, lembro como se fosse hoje, era ter e usar um terno de corte italiano que, à época, era o "dernier cri" (o francecismo uso-o, mesmo que o amigo e cineasta Antônio Jesus abomina). De Casimira, tecido de lã, em tons claros, dois botões na frente e bolsos chapeados, com o mesmo tecido. Nunca fui super vaidoso, mas, obviamente, tive lá minhas vaidades. E assim, sempre que podia, procurava ser e estar diferente. Uma forma, quiçá inconsciente, de marcar, de me distinguir.

Era a década de sessenta. Não se tinha as facilidades de hoje de se adquirir as roupas "prêt-à-porter". Assim, éramos obrigados, pois que era a única opção, de procurar um alfaiate. Não apenas um alfaiate, mas um talento da tesoura, um artista de fatos. Até porque a profissão de alfaiate já foi considerada arte. Destarte, era preciso um profissional que soubesse dar equilíbrio e harmonia ao conjunto da obra. E disso, eu não abria mãos, ainda, como disse, de nunca ter sido um excessivo vaidoso.

Mas para se ter uma idéia da importância que era atribuída aos alfaiates, há uma passagem histórica que merece registro: A fase da alta costura no reinado francês foi tão importante que uma vez perguntado a Luiz XV, se ele não fosse o rei o que ele gostaria de ser, sua resposta de pronto e imediata, foi: "Gostaria de ser alfaiate do Rei".

A França sempre ditou a moda até meados do século XX, embora não possamos esquecer da influência dos ingleses, que introduziram na moda masculina os fatos feitos com tecido de Cashmere, originário da Índia, mas exportado pelos ingleses (o tecido era importado, por isso caríssimo), e revistido com Alpaca. Meu saudoso pai, que tinha muito bom gosto prá se vestir e disso também não abria mão, teve umas duas ou três fatiotas dessas, com sacrifício, pois ganhava pouco como representante comercial. E os italianos que também se destacavam nos talhes e moldes da moda masculina, como ternos e sapatos, que eram um grande sonho dos homens. Um cobiçado "must".

Pois bem, aí fiquei sabendo que em Sapucaia do Sul havia um talentoso alfaiate: Orlando Nedel. Coincidentemente irmão do também alfaiate Arlindo Nedel, que morava em Garibaldi, minha terra "capital da champagne" natal e era meu padrinho de batismo.

Lá nasci no "morro" e a casa ficava, ironicamente, logo abaixo da mansão dos Peterlongo (aqueles mesmos dos champagnes).

Não sei, até hoje, porque não sou muito fã do samba e nem do carnaval, se nasci no "morro" e hoje moro, não exatamente no morro, mas no lugar mais alto da cidade.

Voltando ao fato. Foi um dos meus sonhos felizmente realizados, além de, à época, ser o "dernier cri" dos talhes masculinos. Usava-o com indisfarçável orgulho, especialmente quando fazia parte do Coral do GAPA (Ginásio Agrícola Porto Alegre, ano de 1963), sob a batuta do saudoso professor de música e maestro engenhoso Léo Schneider, reconhecido como um dos melhores do Estado e do Brasil.

A estréia do singular modelito foi por ocasião da apresentação do Coral do GAPA na abertura de uma das edições da Fenac, em Novo Hamburgo (lá o maestro Léo Schneider fez uma verdadeira exibição de gala, ao tocar um órgão, com três teclados em escadas e imensos tubos) e nas duas primeiras exibições do Coral no teatro da Sogipa (então na rua Alberto Bins, centro de Porto Alegre), acompanhado pela excepcional Orquestra de Violinos. Um espetáculo e uma emoção indiscritível, enriquecida por uma outra platônica paixão que estava na platéia. E foi a partir daí que comecei a apreciar e gostar da música clássica. Não usávamos os tradicionais uniformes, apenas cada qual vestia seu terno com gravata, o que possibilitava arrostar a harmonia vocal do grupo com a dessincronização do vestuário.

O terno com gravata não era algo compulsório nas festas-baile jovens nos anos cinqüenta e sessenta, mas um cumprimento comportamental indispensável. Era como um símbolo, misto de status e atitude.

Qual o jovem, nos anos dourados e diamantinos, que não usava terno com gravata e sapatos pretos, social, caprichosamente lustrosos?

Pois, assim, o verdadeiro "batismo" do meu modelito "dernier cri" foi por ocasião de uma festa-baile na casa dos Amon, na rua Dr. Barcelos, quase esquina com a rua Mathias Velho, organizada pelo amigo Fernando Castilho. Muitas eram as festas-baile em casas de famílias amigas naquele tempo.

Eu, um adolescente a pouco saído da infância, estava apaixonado por uma linda e singular morena (Juca Chaves cantava uma modinha titulada com o nome da minha, hoje, platônica paixão, e que de vez em quando ainda escuto, não prá sofrer ou sonhar, mas pelo prazer lúdico do nostálgico). E lá estava ela na festa acompanhada de um outro e saudoso amigo meu. Naquele tempo beijar e até mesmo ficar de mãos dadas era coisa de se ter depois de bom tempo de conquista, convívio e namoro. Ainda bem!

Aí, frustrado com o inesperado quadro, me pus a beber quase que incontidamente. Sei lá se cerveja, vinho ou uísque, ou um legítimo "poupourri". Aí foi aquele porre. Fui levado ao banheiro e mal deu tempo ... vomitei tudo, até a frustração. O singular (era o único a usar tal talhe) terno ficou completamente marcado de "desilusão".

Hoje, um feito válido, de fato e efeito, como parte das diamantinas lembranças nostálgicas.

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