Cansado de ficar em frente ao computador, sentado e teclando, resolvi sair um pouco prá desopilar. O Trensurb apinhado de gente bonita e feia (se bem que conceito de beleza é algo muito subjetivo e pessoal). Gente jovem e as nem tanto. Cheguei à estação central de Canoas. Andei, em passagem rápida pelo turbulento Calçadão, e cheguei na esquina com a 15 de Janeiro, marco da posse do primeiro prefeito, em 1940. Alí, uma sorveteria comandada pelos filhos de um grande e saudoso amigo e na calçada, dispostas ao ar livre, umas quantas mesas. Lá, acomodados descontraidamente dois amigos dos tempos da infância-adolescência, Manoel Airton Aquino Guerra e João Alberto Wüttrock, anos sessenta na rua Frederico Guilherme Ludwig.
Convidado, sentei numa das cadeiras. Ali trocamos cumprimentos e, obviamente, o papo foi logo nos levando para o ainda não escuro túnel do tempo. Reminiscências dos tempos em que jogávamos peladas no meio da rua. Se bem que tínhamos "construido" uma singular e exclusiva cancha para a prática do futebol de salão em terreno cedido pela família Mencky num dos seus sítios.
Peladas que, além de atrapalhar um pouco, ainda que uma fluência escassa, as pessoas que passavam, devia, ainda e com certeza, atorduir as mulheres da vizinhança. Mas elas quase nunca reclamavam, nem mesmo quando a bola caia sobre os canteiros floridos dos terrenos das casas, e quando pulávamos os muros para apanhá-la.
Na passagem das pessoas, educada e respeitosamente, fazíamos uma pausa. Com mais razão quando passava uma das adolescentes gurias, já com seu andar em requebros sensuais. Aí uma paquera coletiva. Depois o recomeço da pelada.
Mergulhamos fundo no túnel do tempo. Tempo em que jogávamos botão ou futebol de mesa, e dos muitos torneios que havíamos realizado, organizadamente.
Lembro que eu tinha três times de botões: um profissional, de galalite, representando o Clube de Regata Vasco da Gama, do Rio, e pelo qual me tornara torcedor depois que o lateral direito do Inter, Paulinho de Almeida, de quem era um admirador do seu futebol e que também jogou pela Seleção Brasileira, se transferira. Um segundo de botões de plástico, com o dístico do Internacional e esse muito pouco usava, pois preferia os botões profissionais ou o time do Grêmio Esportivo Flamengo (hoje S.E.R. Caxias) composto de botões de casacos e casacões. Sim, Flamengo de Caxias, pois naquele tempo lá jogava, como zagueiro central, o meu - hoje saudoso - primo Américo. Aliás, sem puxar o assado prá minha família, um excelente zagueiro, à época pretendido pelo Grêmio e Palmeiras. A direção do Flamengo foi egoisticamente irredutível.
Época em que fazíamos nossos próprios botões, de plástico derretido em forminhas de fazer bolinho ou em tampas de ferro ou latão ou, ainda, os de casca de côco, que recortávamos em formato arredondados e os lixávamos nas escadas ou calçadas de cimento rústico, depois alisávamos usando limas e lixas e, por fim, passávamos um produto deslizante. Época, também que fazíamos nossos próprios caminhõezinhos com tacos de madeira, cabines super bem acabadas e reboque. As rodas com carretéis de linha, presos com uma fina chapa de metal. Não havia muito para se comprar e o que havia era caríssimo naquele tempo. Restava a opção de fazermos nós mesmos, de por em prática a nossa criatividade que, além de um bom passatempo, no fundo tinha muito de lúdico.
Jogávamos na sala da nossa casa. E minha querida e saudosa mãe permitia com uma paciência infinita. Até rodada de café com "bolinho de chuva" prá turminha toda, uns dez ou doze, ela preparava.
Rebuscamos os campeonatos de futebol de salão que eram disputados na cancha que o grupo "construira" num dos sítios dos Mencky. Havíamos formado uma Liga para disciplinar os torneios, que proibia, por exemplo, durante o desenvolvimento do campeonato, a transferência de um ou mais jogadores para outro clube. Tal só podia ser feito fora do período de campeonato e assim mesmo com toda a documentação passada e aprovada pela Liga. O passe tinha, como estipulado, um preço a ser pago pelo clube contratante ao clube que detinha a sua filiação junto à Liga. E o único caso, efetivado, foi a transferência do jogador Piquinho (Venderlei Mahfuz) do Esporte Clube São José para o Real Futebol Clube. Uma juvenil consagração!
Recordamos também dos muitos sítios que haviam e onde íamos apanhar frutas - e havia em abundância - prá comer, como cáquis de chocolate, pêra, pêssegos, laranjas, bergamotas, goiabas, amoras, romãs, limas, limões e uma carrada mais de variedades. Assim dispensávamos o trabalho das nossas mães de preparar o café da tarde. Esse um inadiável hábito.
Subíamos em altas e copadas árvores. E, em algumas, armávamos "casas" de madeira quase no topo e que abrigava três ou quatro guris de cada vez. E lá do alto a vista fantástica que se descortinava até o horizonte. Rememorar esses feitos, quase meio século depois, é algo indiscritível e comemorativo.
Na época das festas de São João, armávamos uma enorme fogueira, com pneus de caminhões, troncos de árvores que apanhávamos nos matos próximos, é à noite lá se reunia toda a vizinhança. Cada qual levava porções bastante de pinhão, batatas-doces, bolos, quentão e era uma comemoração, hoje, de dar inveja. Os adolescente, no intuito de impressionar as gurias e até os mais velhos, se bem que meu saudoso pai também se exibia, se punham a passar com os pés descalços por sobre as brasas escaldantes. Só uma vez eu tentei, porém pular a figueira: me dei mal, bati com o joelho num pedaço de tronco de árvore e cai no meio das brasas. Mais de mês com o joelho inchado, e enfaixado, andando no melhor estilo "deixa que eu chuto".
Às tardes de caça aos passarinhos. Íamos em turma de quatro, cinco ou seis, cada qual com a funda que montara, com forquilha, borracha de pneu de bicicleta e um taco de couro, onde ia a bolota (pedra, bolinha de gude, etc). E quando um passarinho era morto, logo um sinal com faca ou canivete era feito na forquilha, pois havia uma certa disputa de quem matava mais passarinho. Uma judiaria. Por outro, e que eu gostava bem mais, dado que em toda a minha vida, e que me lembre, matei apenas um passarinho com fundaço, íamos pegar passarinhos com varas de visgo para depois colocá-los nas gaiolas. Sem dúvida, outra judiaria, mas menos traumática, digamos.
E o andar de carrinho de rolimã ou carrinho de lomba, que nós mesmos fazíamos? Brincar com arcos ou "aro com gancho", que eram dirigidos com um gancho-guia feito de arame um pouco grosso prá não vergar. E as guerras de funda, entre dois grupos: "mocinhos", que andavam no chão e se escondiam atrás de sinamômos e outras árvores, e os "bandidos", estes tinham que ficar sobre o telhado de uma velha estrebaria. As "balas" eram com bolotas de mamona. Doía prá caramba. Mas prá amenizar, os "bandidos" podiam usar um papelão como se máscara de proteção. E lá ia bala por horas a fio.
Enfim, sentei ali prá ficar alguns minutos com os amigos de tempo, mas o tempo passou sem que nos apercebéssemos, tal qual na nossa infância-juventude.
Me senti mais leve. Havia como que incorporado tudo aquilo que alí recordamos. Respirei, andei à passos lentos e pensei como na adolescência que já não volta mais. Mesmo assim sempre vale a pena relembrar. E como diz o adágio popular: "Relembrar é viver duas vezes". Então, que assim seja.
Mas foi muito, muito gratificante. Um exercício que se deveria fazer todos os dias. Pena que nem sempre é possível.
Foi muito bom. Em suma: "Um papo firme", tri-legal mesmo, ainda que nostálgico.
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