sexta-feira, 16 de março de 2007

Celso Gilberto de Oliveira: a vida por uma causa

Nos tempos de adolescência e dos muitos jogos e brincadeiras na rua Frederico Guilherme Ludwig, lembro do jovem amigo Celso Gilberto de Oliveira, que lá também morou. Muitas vezes esteve na nossa casa jogando “futebol de botão” e participando de algumas rodas de bate-papo descontraído. Simpático, sempre de bom humor e de pouca fala.
No ano de 1966 um grupo de jovens adolescentes, embalados e inspirados nos Festivais de Música Popular Brasileira, da TV Record, projetou a realização de um festival de música na cidade. Muitos daqueles jovens compunham excelentes letras e músicas. O local da exibição seria o Clube Cultural Canoense, onde já havíamos realizado algumas reuniões. Lembro, pelos registros que fazia na minha coluna no semanário O Timoneiro, que a Comissão Organizadora era presidida pelo jornalista José Ribeiro Fontes (presidente), Luiz Carlos Schneider e Bruno Pagot (secretários), Manoel Airton Aquino Guerra e Ivo da Silva Lech (tesoureiros), Carlos Gilberto Fernandes de Vargas (relações públicas) Paulo Jéferson Mendes e este blogueiro (departamento de divulgação). E lá, em algumas reuniões, esteve por vezes, por achar a idéia do festival muito boa, o amigo Celso, com o propósito de colaborar.

Era o tempo da ditadura fardada, como se refere o jornalista Mino Carta. Regime de arbítrio e de caça aos opositores do novo regime que não aceitavam o sistema político ditatorial-militar. O Brasil havia sofrido um golpe militar na calada da noite do dia 31 de março para 1º de abril de 1964. As forças do Exército já haviam ocupado os pontos estratégicos e os militares tomado o poder à força. O presidente João Goulart, o Jango, havia determinado que fosse evitado por todos os meios o derramemento de sangue. E assim se fez. Acompanhado pelo general Argemiro de Assis Brasil, então ministro da Casa Militar, Jango se exilou no Uruguai. Os militares se acomodaram no Palácio do Governo e passaram a ditar normas, leis e Atos Institucionais. O pior e mais grave, o famigerado AI-5, veio em 13 de dezembro de 1968, mesmo depois do veemente discurso proferido por Ulisses Guimarães, em Campos, na Bahia, quando asseverou: "Na cadeira de Rui Barbosa, que representou as tradições libertárias desta Estado, não podem sentar os penetras indicados pela oligarquia e pelos conchavos entre amigos e parentes".

E mais disse Ulisses: "Vocês ouvem falar do achatamento salarial. Vocês ouviram falar e de se tomar providências do achatamento dos lucros criminosos que fazem a opulência de poucos e enchem as burras e as arcas das multinacionais, fazendo com que tenhamos uma sangria às avessas, o sangue e o suor dos trabalhadores para enriquecer outras pátrias, outrso países?". E concluiu com enfática coragem: "Baianos, marchemos para a vitória a 15 de novembro. Baioneta não é voto e cachoro não é urna".

Em 1970 o Brasil inteiro, levado pela institucional propaganda indutiva, torce e vibra com a seleção de futebol no México, ano em que o Brasil, coincidentemente, conquista o tricampeonato mundial de futebol e, em definitivo, a Taça Jules Rimet. Enquanto isso, distante da opinião pública, prisioneiros políticos eram torturados nos porões da ditadura militar e inocentes passaram a ser vítimas da violência e das barbáries que foram impetradas nos 21 anos de duração do caos moral e político, quando só pensar em voz alta já era um inimaginável risco. E, em meio à euforia do milagre econômico e da vitória da Seleção na Copa de 1970, emerge a idéia da realização de um filme-denúncia. O quadro das bárbaras atrocidades inspirou o diretor Roberto Farias (“Assalto ao Trem Pagador”) a realizar Prá Frente, Brasil, filme onde todos esses acontecimentos são vistos pela ótica de uma família quando um dos seus integrantes, um pacato trabalhador da classe média, é confundido com um ativista político e desaparece. Conforme edição da revista Veja, por ocasião do lançamento do filme, a enigmática história do desaparecimento de Celso Gilberto de Oliveira teria sido uma das inpirações à realização do filme.

Sequer algum de nós, do grupo que projetava o festival, imaginava ou desconfiava do envolvimento do amigo Celso com grupos revolucionários do centro do país. Quando tinha que viajar para o Rio de Janeiro, Celso alegava estar trabalhando na Enciclopédia Barsa, até porque no Rio era mais fácil prá vender, justificava. Outras vezes “arranjava” viagens para outros lugares. Mas jamais abriu ou deixou desconfiar que era um ativista militante do MR-8. Só depois de sabê-lo morto é que tomei conhecimento através do seu companheiro de ideal revolucionário, Paulo Rocha da Rocha, que também esteve preso no Doi-Codi, e cujos registros no então SNI – Serviço Nacional de Informação - devem confirmar.

O propósito desta crônica – que também é uma homenagem ao amigo e herói anti-redentora - me veio à idéia ao navegar pela Internet e me deparar com o site Desaparecidos – Grupo Tortura Nunca Mais. Apesar que, o jornal Gazeta de La Stampa, sob minha direção e editoria, nos anos 90, já havia publicado matéria a respeito dos presos e desaparecidos no período do arbítrio, incluindo o general Argemiro de Assis Brasil, que foi preso logo após retornar do local do exílio do presidente Jango, e que, enquanto sobrevivendo como professor, morou em Canoas, no edifício da rua Tiradentes, nº 17, esquina BR-116; e o médico e ex-vereador Edson Medeiros.

“Vi, então, ainda jovem, que os problemas decorrentes de nossa estrutura social, imobilizada pelos interesses das classes dominantes, se agravavam com a eficácia e a eficiência da exploração permanente daqueles novos senhores”. A frase do general Argemiro de Assis Brasil, mesmo dita em tempo anterior à ditadura militar, define perfeitamente o clima que passava a existir no que na década seguinte passou a ser definido como Anos de Chumbo.

Celso e Paulo foram presos na mesma época, com alguns dias de diferença. Daí, conta o ativista Paulo da Rocha, que a última vez que ouviu a voz do amigo Celso foi durante um interrogatório numa das celas do Doi-Codi, que ficava próximo a que se encontrava. Disse que apenas ouvia os berros dos carrascos, tipo fala seu filha da p...”, “nós vamos fazer tu falar ...” e coisas mais. E o Celso nada de responder. Silêncio absoluto. Fidelidade absoluta à causa. Até que num dado momento, enquanto era torturado com socos, ponta-pés e choques impetrados pelos carrascos da ditadura, Celso revidou com uma cuspida no rosto de um dos seus algozes. Paulo disse que sabia que era cuspida porque o próprio algoz bradou em voz alta e em tom hiper irritado: “Esse filho da p... cuspiu na minha cara.

A história, ainda segundo Paulo, é que depois disso teriam levado o Celso para um passeio num camburão do Exército. No meio do caminho, em local ermo e rodeado de mato, teriam parado o camburão, abrido a porta traseira e dito: “Se tu quesé vivê, corre! Te manda! Não olha prá trás!”. E Celso correu em direção ao mato e à liberdade, mas nunca mais pode olhar prá trás e nem para lugar algum, as balas covardes e traiçoeiras dos carrascos foram mais rápidas e o alcançaram pelas costas.

Era um dia do mês de dezembro de 1970. E assim chegava ao fim a luta de um jovem por um ideal de liberdade ... e de um suplício, que suportou com fidelidade.

CELSO GILBERTO OLIVEIRA no esporte em Canoas


Aqui Celso Gilberto Oliveira, nos anos 60, em Canoas, quando integrou o time de Futebol de Salão do AGRIMES ou BANAGRIMER.


Homenagem ao canoense com a denominação de Rua Celso Gilberto Oliveira, no Rio de Janeiro.


Mapa mostrando a localização da Rua Celso Gilberto Oliveira, que homenageia o jovem canoense assassinado em dezembro de 1970, no período da Ditadura Militar.

Contatos via e-mail: xicojunior.pagot@gmail.com

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